Pular para o conteúdo principal

A favor do voto em lista

Por Zé Dirceu

O ex-secretário-geral da Presidência da República de Fernando Henrique Cardoso Eduardo Graeff publicou nas páginas deste O Estado de S. Paulo o artigo Contra o voto em lista (23/2, A2), cujo objetivo se observa no título, mas que tem como resultado revelar a verdadeira face da oposição hoje no Brasil: a falta de um projeto alternativo de país. Ao atacar o modelo de lista fechada, o tucano atinge as próprias fraquezas de seu partido. Nas linhas do texto, fica evidente que a oposição é um aglomerado sem propostas e despida de base social sólida a que representar. Está, enfim, à deriva.

A fragilidade do fio condutor das críticas ao voto em lista é tão grande que colabora para soterrar as ponderações mais razoáveis. Afinal, sustentar que esse modelo não pode ser aprovado porque favoreceria o Partido dos Trabalhadores (PT) é recorrer a um não argumento, que, de resto, esquece que o PT já vem crescendo há duas décadas, ampliando suas representações, seu volume de votos e número de governantes eleitos. E isso ocorre não porque o modelo favorece, mas, essencialmente, porque o PT tem propostas amplamente discutidas dentro do partido e com a sociedade e possui elevada capacidade de comunicação e mobilização. A relação do PT com a sociedade é especial, de diálogo permanente, daí os resultados nas urnas.

Justificar que o voto em lista causaria confusão entre partidos e eleitores, desacostumados ao sistema, significa, na verdade, defender o modelo atual, pois todas as demais mudanças deixariam os eleitores confusos. Trata-se de argumento que ofende a inteligência do cidadão e minimiza o papel dos meios de comunicação na difusão das informações. Além disso, o voto distrital misto, defendido por José Serra nas eleições, é mais complexo do que o voto em lista.

Na verdade, a preocupação com a reforma política não se deveria voltar para um cálculo hipotético sobre quais forças se beneficiam desta ou daquela proposta, pois o resultado já é conhecido: a reforma não é aprovada. O que deve nortear o debate é que sentido - ou quais sentidos - deve ter o sistema político-partidário e eleitoral do Brasil nas próximas décadas. Queremos um modelo pautado na figura do candidato ou que valorize os programas dos partidos? Que dimensão o voto deve assumir com vista a aproximar o eleitor do partido? Como adotar mecanismos capazes de limitar o espaço que o poder econômico tem hoje nos resultados eleitorais? Essas são algumas das reais questões que temos de enfrentar na discussão da reforma política.

É preciso incutir no debate a perspectiva de que todos os modelos têm prós e contras, ou seja, as mudanças a serem realizadas poderão dirimir as falhas do nosso atual sistema na medida em que apontarem para os mesmos sentidos. Se a preocupação é com a criação de espaços de estrangulamento da pluralidade da representação política, há meios de se evitarem tais efeitos colaterais. O que não se pode admitir é que o Brasil caminhe para um modelo em que se amplia a importância das personalidades em detrimento dos programas políticos. Essa é uma tendência que precisa ser combatida.

O voto em lista prevê que o eleitor escolha as melhores propostas, votando nos partidos - e não nas pessoas. Ao contrário do que se tenta transformar em verdade, para vetar previamente a ideia, há mais de um jeito de fazer a composição dessa lista: pode ser exclusivamente da direção do partido; pode ser da direção, atendendo à proporcionalidade de votações dos militantes; pode ser resultado de votações nominais dentro do partido. É importante, enfim, que esse processo seja acompanhado e fiscalizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O consenso sobre como será a mecânica ainda está por se fazer, em processo que passa por amplo debate com a sociedade e no Congresso Nacional.

Mas a principal vantagem do voto em lista é, sem dúvida, pôr em debate na sociedade os projetos que os partidos representam. O cerne da disputa são os projetos, as concepções de condução da coisa pública e os rumos que queremos para o futuro. No fundo, é isso que está em jogo numa eleição, não a pessoa do candidato. E devemos valorizar isso no novo sistema eleitoral. A variante do voto distrital misto acaba por conferir menos espaço aos programas partidários do que o voto em lista, e o voto distrital puro - ou ideias como o "distritão" - fere os princípios da proporcionalidade e da soberania do voto, que conferem maior liberdade ao cidadão para votar e escolher seus representantes.

Além desse, os outros pontos essenciais da reforma que atendem aos mesmos objetivos do voto em lista são: o fim da coligação proporcional, a instituição para valer da cláusula de desempenho e, especialmente, a fidelidade partidária e o financiamento público das campanhas. São questões que ainda carecem de debate, e a sociedade tem de se apoderar desses temas para indicar os caminhos das mudanças. O desejável é que os partidos se articulem e funcionem como irradiadores de informação e centros de discussão.

Felizmente, há integrantes da oposição que estão interessados em discutir o que é melhor para o eleitor e para o País. O grau de avanço do texto da reforma passa pelo tamanho da participação dos atores políticos do campo governista e de oposição. Para mim, parece claro que a nossa direção deve ser a de um sistema que estimule um debate eleitoral de melhor nível, de viés programático, não personalista, que fortaleça os partidos como instituições representativas e que impeça a predominância do poder econômico.

Não há por que temer os avanços democráticos. Esse é o motivo de ser da reforma política.



(Artigo publicado n' O Estado de São Paulo de 20 de março de 2011)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Congresso petista adiado

A Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores decidiu nesta última terça feira adiar o 3º Congresso Nacional do partido para os dias 17,18 e 19 de agosto. A decisão terá de ser confirmada pelo Diretório Nacional (percebeu a quantidade de coisa nacional nessa notícia?). O Congresso estava marcado para os dias 7, 8 e 9 de julho, mas seu adiamento deve ser confirmado por dificuldades logísticas.

SÃO BENEDITO COM SAUDADE

Pesquisa eleitoral realizada em São Benedito do Rio Preto aponta que o ex-prefeito Maurício Fernandes está muito perto de alcançar o dobro das intenções de voto do atual gestor do município, Wallas Rocha. Segundo o instituto Brasil Marketing Opinião, o médico tem maioria folgada e absoluta no eleitorado com a marca de 51,1% enquanto seu adversário ficou com 31%. Mesmo levando para si todos os que pensam em votar nulo ou branco (10,7%) e ainda os indecisos (7,2%) Wallas não derrotaria Maurício se a eleição acontecesse hoje. Depois da queda, o coice. O prefeito busca viabilizar sua reeleição com 61,3% dos eleitores entrevistados afirmando que não votariam nele para um novo mandato. O levantamento ainda mostra 76% dos eleitores de São Benedito considerando o governo Lula 3 como Ótimo/Bom. A pesquisa foi realizada nos dias 30 e 31 de julho, por meio de entrevista direta. A margem de erro é de 3,5%, com o nível de confiança de 96,5%. HISTÓRICO Eleito e reeleito prefeito de São Be

CHAPADINHA EM 2023: R$ 153 milhões de Fundeb, R$ 60 de FPM, R$ 46 na Saúde...

Em um ano marcado por números recordes, a gestão municipal de Chapadinha em 2023 arrecadou uma quantia impressionante em receitas vindas do governo federal.  EDUCAÇÃO A Educação de Chapadinha encerrou o ano de 2023 com receita recorde. Do início ao fim do ano foram mais de 153 milhões de reais depositados pelo governo federal na conta do Fundeb do município, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. Para ser exato, foram R$ 153.172.592,06 (cinto e cinquenta e três milhões, cento e setenta e dois mil, quinhentos e noventa e dois reais e seis centavos) para o município que quintuplicou o número de alunos de EJA (Educação de Jovens e Adultos) nos últimos anos. O valor é um recorde absoluto em comparação com os anos anteriores. Em 2018, as receitas recebidas pelo mesmo fundo eram quase um terço, conforme gráfico abaixo. SAÚDE Não é só a Educação que está com muito dinheiro em caixa. O Fundo Nacional de Saúde também transf